Libertos do Pecado para uma Nova Vida em Cristo [ EBD ] 2° Trim. 2020

Lição 05 - Libertos do Pecado para uma Nova Vida em Cristo

Lição 5: Libertos do Pecado para uma Nova Vida em Cristo Escola Dominical | 2° Trimestre De 2020Subsidio de Apoio ao Professor

A Palavra de Deus revela que formos libertos do pecado por meio da maravilhosa graça divina. Por ela, fomos perdoados e salvos da condenação eterna. Assim, em Cristo Jesus, recebemos o direito à vida eterna. Na presente você deve mostrar os relevantes aspectos doutrinários que estão revelados em Efésios 2.1-10. Nessa seção da epístola, o apóstolo Paulo amplia o conceito de libertação do pecado descrevendo-o como um favor imerecido dado por Deus aos salvos a fim de que a nova criatura em Jesus desfrute de uma nova vida com o Salvador.

(Efésios 2.4,5) Texto Áureo “Mas Deus, que é riquíssimo em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente com Cristo […].” 

Introdução

A seção da Epístola aos Efésios (Ef 2.1-10) apresenta relevantes aspectos doutrinários referentes à salvação. Nesse texto paulino, a libertação dos pecados é descrita como um favor imerecido concedido por Deus, por meio da fé, para que os salvos possam desfrutar uma nova vida em Cristo. Essa seção desdobra-se teologicamente em duas partes: (1) A velha vida de pecado (2.1-3); e (2) A nova vida em Cristo (2.4-10). O contraste entre a primeira e a segunda parte é o resultado do imensurável amor e do grandioso poder de Deus operando na vida dos crentes por meio de Cristo. Essa descrição de nossa velha vida inicia-se com a expressão “mortos em ofensas e pecados” (2.1), indicando total separação da vida do homem com Deus.

Em seguida, para ilustrar as ofensas e pecados de outrora, o apóstolo faz uso figurado da palavra “andar”. Com respeito a essa velha conduta, Paulo apresenta uma sequência de caminhos tortuosos no qual andávamos (2.2,3a). E, por causa dessa condição de morte espiritual e de trilhar percursos errados, “éramos por natureza filhos da ira” (2.3b). Mas, na segunda parte dessa seção de Efésios (2.4-10), o quadro caótico modifica-se radical e favoravelmente aos ímpios pecadores. Por ato de misericórdia e muito amor (2.4), Deus restaurou a vida daqueles que estavam mortos nos seus delitos (2.5). Ele, então, ressuscitou-os e deu-lhes acesso ao Reino celestial para mostrar a todos e eternamente as suas abundantes riquezas (2.6-7).

Toda essa gloriosa salvação é iniciativa divina e operada por obra da graça mediante a fé em Jesus Cristo (2.8,9). A libertação da antiga vida de más obras capacita o salvo na sua nova vida a praticar boas obras conforme o propósito eterno de Deus (2.10).

I. A ANTIGA NATUREZA MORTA EM OFENSAS E PECADOS 

1. Nossa condição anterior

O versículo de abertura desse capítulo 2 de Efésios “E vos vivificou, estando vós mortos em ofensas e pecados” (2.1) é, na verdade, a continuação de 1.19-23, que fala do poder de ressurreição concedido ao corpo de Cristo, a Igreja. O Comentário Bíblico Beacon registra que, nesse texto de 2.1-10, “o apóstolo declara que a renovação espiritual de todos os homens, judeus e gentios, faz parte e é parcela da ressurreição de Cristo, a manifestação suprema do poder de Deus”. Essa ligação ao contexto anterior dá-se pelo uso da tradução “e vos vivificou”, que aparece como “Ele vos deu vida” na versão ARA ou diretamente “vocês estavam mortos” (NVI). Esclarecido esse ponto, nota-se, na sequência do versículo em apreço (2.1), que a condição pecaminosa do homem é a razão da sua morte moral e espiritual (Tg 1.15).

Ao descrever o diagnóstico das doenças que levaram a humanidade ao óbito, Paulo usa os termos “ofensas e pecados”. O substantivo ofensa, do grego paraptoma, tem o sentido de passo em falso de forma deliberada e “alude aos desejos da carne, notórios, evidentes e repulsivos”. A palavra grega para pecado é hamartia, descrito como aquele que “erra o caminho” ou “erra o alvo” e, ainda, “pecar como um hábito”. Os escritores do Novo Testamento usam 13 palavras básicas para descrever o pecado, sendo que hamartia é a palavra mais abrangente. Stronstad considera que tal expressão “pode designar mais os desejos da mente, os pecados de pensamentos e de ideias, de propósitos e inclinações”.

O Dicionário Wycliffe conceitua como “qualquer afastamento do caminho da justiça” e avalia, “em última análise, qualquer pecado como rebelião contra Deus e uma transgressão dos seus padrões”. Percebe-se, então, que os termos são análogos e exprimem a gravidade da situação de miséria e o distanciamento da humanidade dos propósitos divinos. Em vista disso, o homem na sua natureza decaída é diagnosticado como “morto”, uma declaração da real condição das pessoas sem Deus. Ratifica-se que o conceito é de morte moral e espiritual provocada pelo erro e desobediência, que inevitavelmente separa o homem de Deus (Is 59.2, Tg 1.15). Tal qual um corpo inerte, a natureza pecaminosa impede o homem de ouvir e obedecer à voz de Deus. Quem assim vive está morto enquanto vive (1 Tm 5.6). 

2. Nossas ofensas e pecados

Toda essa má conduta “em que noutro tempo andaram” é descrita por Paulo por meio da metáfora do ato de “andar” (2.2a). O verbo grego utilizado é peripateõ, que, no sentido figurado, significa “o círculo inteiro das atividades da vida individual, quer dos não regenerados, quer dos crentes”. No caso em análise, o termo “andar” refere-se às atitudes erradas adotadas no passado pelos não crentes, tais como: 2.1. Andaram “segundo o curso deste mundo” (2.2b). Os costumes eram praticados conforme o sistema mundano da época, dentre eles, a imoralidade, o furto e a mentira (4.22-32). Roger Stronstad discorre que “essa frase se refere à maneira, caráter e influência de uma humanidade não regenerada durante a presente era do pecado (Gl 1.4; 1 Jo 2.15-17)”.

O Comentário do Novo Testamento – Aplicação Pessoal segue a mesma direção e considera que a declaração refere-se “ao modo de vida e motivos ateístas aceitos pelo mundo, porém imorais. Aqueles que andam ou vivem como mundo, que está cheio de pecado, também não podem seguir a Jesus (Rm 12.2; Gl 1.4)”. Essa é uma constatação inequívoca de que o salvo não deve tomar a forma do mundo, não deve relativizar o pecado e nem ajustar-se à maneira de viver do seu tempo. 

2.2. Andaram “segundo o príncipe da potestade do ar” (2.2c).

Uma alusão a Satanás, que exerce autoridade sobre os poderes do mal (Jo 12.31). Ele é o líder das hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais (6.12). Nossa Declaração de Fé realça que foi “com engano que ele começou as suas atividades contra o ser humano (Gn 3.13; 2 Co 11.3). É com essa arma que ele e os seus agentes seduzem as pessoas (Ap 12.9)”. Paulo também o menciona como sendo o “deus deste século” (2 Co 4.4). A passagem indica que os agentes malignos têm capacidade de influenciar os homens que estão afastados de Deus.

O apóstolo registra que esse espírito ainda “opera nos filhos da desobediência” (2.2d). O Comentário Beacon explica que, aqui, o significado de espírito “refere-se aos poderes do mal, e indica a disposição interior de desobediência que fica ativa no coração dos homens quando estão sujeitos ao Maligno”. Não se trata de referência a um tipo de demônio, e sim a uma ação demoníaca que pode manipular e aprisionar as pessoas; e os leitores de Paulo, no passado, tinham sido escravos dessa força demoníaca (2.2d). Mais adiante, o apóstolo alerta que nossa luta é contra tais seres do mal (6.12). Contudo, não precisamos temê-los, pois Deus exaltou Cristo, a cabeça da Igreja, acima de todos eles (1.21).

2.3. Andaram “fazendo a vontade da carne e dos pensamentos” (2.3a).

Refere-se à inclinação para fazer o mal, algo inerente da natureza humana caída (Gn 6.5). A expressão “fazendo a vontade” “denota a eficácia desses desejos e o poder que eles têm naqueles que se rendem a eles”. Estão incluídos aqui os pensamentos pervertidos e a prática de todos os desejos desordenados da carne. Nas palavras de John Stott, “incluem os desejos errados da mente e não somente do corpo, ou seja: pecados tais como a soberba intelectual, a falsa ambição, a rejeição da verdade conhecida e pensamentos maliciosos e vingativos”.

Como resultado, “éramos por natureza [judeus e gentios] filhos da ira” (2.3b), isto é, estávamos debaixo da maldição e condenados ao castigo eterno (Rm 5.12,17-19). Hendriksen assinala que “por natureza” se deve entender “fora da graça regeneradora”, ou seja, os homens na sua condição natural, como descendente de Adão.112 Mais adiante, Paulo ratifica que essa tinha sido nossa miserável condição antes de sermos alcançados por Cristo (Ef 4.17-19). A passagem demonstra a devastação universal provocada pelo pecado na raça humana. Entretanto, aprouve ao Pai eleger-nos e predestinar-nos para “filhos de adoção” (1.5). Glória a Deus! 

II. VIVIFICADOS PELA GRAÇA 

1.Alcançados pela misericórdia e o amor divino

Após descrever a terrível situação da humanidade sob a ira de Deus (ver Ef 2.3), Paulo passa a descrever os atos divinos de amor e de misericórdia que alteraram o quadro caótico da raça humana. Começando com uma conjunção adversativa, o apóstolo declara exultante “mas Deus”, pelo muito que nos amou, teve misericórdia de nós (2.4). A péssima condição da humanidade e o miserável curso de pecaminosidade são interrompidos pela intervenção divina. Essa inesgotável misericórdia procede do “seu muito amor com que nos amou”. Aqui o adjetivo grego pollen deve ser traduzido como “muito”, e não como “grande”, e refere-se à infinita abundância do amor de Deus, e não ao seu tamanho (cf. 3.17-19).

Beacon anota que é “por causa” desse muito amor, e não “através” desse grande amor, que fomos escolhidos e vivificados por Deus.114 Isso porque o amor é a motivação de tudo aquilo que Deus faz. E, nesse sentido, as Escrituras enfatizam que foi a infinita abundância desse amor que motivou nossa salvação em Cristo. O amor de Deus é o atributo que melhor resume a mensagem do quarto Evangelho (Jo 3.16). As epístolas joaninas também indicam repetidamente que a iniciativa desse amor é sempre da parte de Deus (1 Jo 4.9,10,19). O seu amor e a sua misericórdia são ilimitados e estão disponíveis para toda a humanidade.

2. Vivificados pela sua graça

Descrevendo o contraste entre a incapacidade humana e a suficiência do Senhor, Paulo enfatiza que fomos alcançados pelo muito amor de Deus “estando nós ainda mortos em nossas ofensas” (2.5a). Essa declaração remete-nos ao versículo primeiro, onde o terrível diagnóstico já tinha sido atestado: estávamos mortos em delitos e pecados (ver Ef 2.1). Afastados de Deus, marchávamos em direção ao abismo, desprovidos de qualquer esperança. Porém, em nossa desesperança, fomos objetos do amor de Deus.

A ênfase aqui recai no amor imerecido de Deus para conosco em virtude de nossa condição de pecadores (estando ainda mortos). Paulo repete essa verdade na Epístola aos Romanos quando escreve: “Deus prova o seu amor para conosco em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8). Significa que não éramos merecedores desse amor; porém, mesmo assim, no plano eterno, Deus amou a todos nós como éramos e como estávamos e agiu em graça para conosco. Desse modo, ainda sendo indignos pecadores, Deus “nos vivificou juntamente com Cristo” (Ef 2.5).

O termo “juntamente” ocorre uma vez aqui e outras duas vezes no texto grego do versículo seguinte. Há três expressões vinculadas a essa palavra e à pessoa de Cristo, a saber: “nos vivificou [com Cristo]” (2.5b), “nos ressuscitou [com Cristo]” (2.6a) e “nos fez assentar [em Cristo]” (2.6b). Isso indica que somos identificados com Cristo, na sua vida, na sua morte e ressurreição e na sua ascensão, sinalizando, assim, que tudo aquilo que o poder de Deus fez por Cristo também o faz em favor dos crentes. Assim sendo, a expressão “nos deu vida” quer dizer que nascemos de novo em Cristo (Jo 3.3). Não estamos mais mortos; o mesmo poder que trouxe Cristo da sepultura deu-nos uma nova vida, e as coisas velhas passaram (Rm 6.4; 2 Co 5.17).

Passamos a ter vida em abundância em Cristo (Jo 10.10). Acerca dessa nova vida, escrevendo aos Gálatas, o apóstolo frisou contundentemente: “[…] vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2.20). Recebemos essa nova vida sem mérito algum; tudo foi efetivado por meio da sua graça, o favor imerecido (ver Ef 2.8,9). Aprofundaremos a doutrina da graça nas páginas a seguir.

3. Exaltados pela sua graça

O apóstolo ainda destaca que o poder de Deus “nos ressuscitou juntamente com ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (2.5-6). Paulo emprega mais uma vez a palavra “juntamente”, indicando que, por meio da graça, Deus concede ao homem os mesmos benefícios alcançados por Cristo: a ressurreição, a vida eterna e o acesso ao reino dos céus (Jo 3.15, Rm 4.4-8). Aqui, a ressurreição refere-se, em primeiro lugar, ao ato espiritual disponível no presente: devido ao fato de Cristo ter ressuscitado dentre os mortos, os homens, por sua vez, são ressuscitados da sua morte no pecado e possuem uma nova vida com Cristo e em Cristo. E, em segundo lugar, a ressurreição é um ato corporal que está disponível no futuro.

Outro aspecto relevante é que a Bíblia fala sobre duas ressurreições: a dos justos e a dos injustos; ou seja, uns para a vida eterna, e outros para a morte eterna (Dn 12.2; Jo 5.29; At 24.15). Nessa compreensão, a doutrina da ressurreição dos salvos e a doutrina da vida eterna estão intrinsecamente ligadas. No passado, os santos que ressuscitaram tornaram a morrer (Mt 27.52-53), mas a segunda morte não tem poder sobre os santos que participarão da primeira ressurreição escatológica116 (Ap 20.6). Incluso nos benefícios da ressurreição e da vida eterna, os crentes também são exaltados em Cristo. Em virtude de nossa nova condição “por causa de Cristo” e assim “como Cristo”, também nos foi outorgado acesso aos “lugares celestiais”. Mas não somente isso!

Estamos assentados com Cristo nos céus. Ele compartilha o Reino conosco; estamos entronizados com Ele. Temos uma nova cidadania: “nossa cidade está nos céus” (Fp 3.20). Ao realizar esses atos poderosos na vida de Cristo, Deus mostrou a “supremacia da grandeza de seu poder” (1.7). Ao conceder essas maravilhosas bênçãos aos homens, Deus mostrou a todo o Universo e por toda a eternidade as “abundantes riquezas da sua graça” (Ef 2.7). Nas palavras de Moody, significa que a Igreja servirá de eterna demonstração da graça de Deus. Desse modo, ratificase que a salvação e os seus privilégios são conferidos pela graça: o favor imerecido de Deus.

III. A SALVAÇÃO NÃO VEM DAS OBRAS

 1. Graça como meio de salvação

1.1 A salvação inclui a libertação da morte, da escravidão e da ira divina, bem como o privilégio de desfrutar de todas as bênçãos gratuitamente concedidas: “nos amou” (2.4c), “nos deu vida” (2.5b, ARA), “nos ressuscitou” (2.6a) e “nos fez assentar nos lugares celestiais” (2.6b). A salvação, portanto, é o livramento do poder da maldição do pecado e da morte, bem como a restituição do homem à comunhão com Deus (ver Hb 2.15). A salvação é estudada de modo sistemático sob três estágios fundamentais, a saber: justificação, santificação e glorificação. A justificação é a libertação da punição, ou do castigo merecido pelo pecado.

A doutrina da justificação ensina, em termos gerais, que o pecador é justificado (absolvido da punição e da condenação do pecado) unicamente pela fé na graça divina (Ef 2.8,9). Lutero afirmava que “a doutrina da justificação não é apenas mais uma doutrina; é o artigo fundamental da fé, pelo qual a igreja se firmará ou cairá e do qual depende toda a doutrina cristã”. A santificação é uma “obra progressiva da parte de Deus e do homem que nos torna cada vez mais livres do pecado e semelhantes a Cristo em nossa vida presente”.120 Esse processo de santificação dura até nossa glorificação final no dia de Cristo.

A glorificação é a derradeira etapa de nossa salvação em Cristo Jesus (Rm 8.30). Trata-se de uma promessa da futura transformação de nosso corpo mortal (Fp 3.21) e ocorrerá quando Cristo voltar. Em síntese, a salvação é-nos oferecida pela graça mediante a fé no sacrifício de Jesus Cristo na cruz do Calvário. No ato da aceitação, o pecador é imediata e simultaneamente salvo e justificado; a partir daí, ele entra no processo de santificação até a sua glorificação. A salvação, portanto, começa com um ato jurídico (justificação), prossegue em processo vitalício de afastar-se do pecado (santificação) e culmina com nosso corpo transformado num corpo incorruptível e imortal (glorificação). 

1.2. A palavra graça é tradução do termo grego “charis”, que, em sua mais completa definição, significa o “favor imerecido de Deus aos dar-nos o seu Filho” (ver Rm 3.24). O Comentário de Aplicação Pessoal enfatiza que “Paulo é incisivo ao afirmar que absolutamente nada é de nossa autoria — nem a salvação, nem a graça, nem mesmo a fé exercida para receber a salvação. Pelo contrário, tudo é um presente de Deus”. É por meio da graça, por exemplo, que Deus ativa o livre-arbítrio e capacita o pecador para que responda com fé ao chamado do Evangelho (Rm 11.6).

Esse também é o posicionamento bíblico e teológico da Declaração de Fé das Assembleias de Deus, que professa o seguinte: “Não há nada que o homem natural possua ou pratique que lhe faça merecida a graça de Deus […]. Deus derrama sua graça, sem a qual o homem não pode entender as coisas espirituais, ou seja, foi Deus quem tomou a iniciativa na salvação”. Esse entendimento opõe-se fortemente à afirmação de pelagianos e semipelagianos125 de que “é possível que uma pessoa faça alguma coisa [em direção à sua salvação] sem a ajuda da graça de Deus”. Refutando Pelágio e a sua soteriologia, Armínio ensinou que o livre-arbítrio do homem é incapaz de iniciar qualquer bem verdadeiro e espiritual sem o auxílio da graça divina.

Ele ainda ratificou que “é esta graça que opera na mente, nos sentimentos e na vontade; que infunde na mente bons pensamentos […] e faz com que a vontade coloque em ação bons pensamentos […]. Esta graça inicia a salvação, promovendo-a, aperfeiçoando-a e consumando-a”.Dessa concepção bíblica exposta por Armínio, temos o conceito de “graça preveniente”, também chamada de “graça preventiva”, “graça precedente” e, ainda, “graça preparatória”.

O uso desses termos atrelados ao vocábulo “graça” é apenas para esclarecer que a “graça” é uma ação divina que antecede a conversão. Silas Daniel, na sua obra Arminianismo: A Mecânica da Salvação, faz uma exposição elucidativa: Graça preveniente nada mais é, portanto, do que o amor de Deus em ação; é Deus tomando a iniciativa em relação ao homem caído, e não apenas no sentido de propiciar a sua salvação, mas também no sentido de habilitá-lo a recebê-la e atraí-lo a ele. É ela que concede ao ser humano a possibilidade de corresponder livremente com arrependimento e fé quando Deus o atrai a si. É a graça preveniente que possibilita ao homem responder positivamente ao chamado divino.

A graça, todavia, não é “irresistível”. Sim, a graça é uma dádiva muito especial, mas não é uma força irresistível. Nesse sentido, Armínio afirma que “todas as pessoas não regeneradas têm liberdade de escolha, e uma capacidade de resistir ao Espírito Santo, de rejeitar a graça oferecida por Deus, ou de desprezar o conselho de Deus contra elas mesmas, de se recusar a aceitar o Evangelho da graça”. Ao sintetizar essa doutrina, Geisler afirmou que “nem mesmo um ser onipotente é capaz de fazer aquilo que lhe é contraditório, Deus não pode exercer a sua graça contra a vontade das pessoas […]. Ele decidiu soberanamente que o convite ao evangelho pode ser negado”.

Assim, ao ser auxiliado pela graça; o pecador pode consentir ou rejeitar o chamado divino. A graça, portanto, pode ser resistida e não elimina o livre-arbítrio humano (Jo 7.17). A fé deve ser considerada como a aceitação da obra realizada por Cristo em nosso favor. Essa fé é a “operação de Deus em nós”, ou seja, é o agir de Deus fazendo-nos voltar para Ele, atraindo-nos para aquilo que nos é oferecido por Ele e, assim, capacitando-nos para receber a Cristo (Jo 1.12-13). Desse modo, a fé para a salvação é um dom de Deus (At 18.27; Fp 1.29). Essa fé é condicionante para a salvação e conduz o salvo à obediência. Nesse entendimento, a fé antecede a regeneração, e não o contrário, pois não é possível ocorrer regeneração sem fé, embora uma não ocorra sem a outra (Mc 16.16; Rm 10.9).

A fé, portanto, é um dom gratuito. Ela é a condição para o nascer de novo e assim ser salvo, sendo a nossa resposta à graça de Deus, uma resposta que só é possível pela própria graça. 

2. Obras como evidência de salvação

A segunda negação paulina ratifica que a salvação “não vem das obras”, o que indica não se tratar de recompensa de algum ato humano. Nenhuma medida de esforço próprio ou de devoção religiosa pode operar nossa salvação. Nesse sentido, escreveu Geisler: “As exortações bíblicas para as boas obras foram dadas para que nós pudéssemos ser produtivos, não para que pelas boas obras pudéssemos ter a certeza da nossa salvação”. Essas afirmações excluem qualquer possibilidade de alguém ser salvo por esforço pessoal. Como a salvação é uma realização divina, agora “somos feitura sua, criados em Cristo para as boas obras” (Ef 2.10). Uma transformação ocorreu: em Cristo, somos uma nova criatura, e as coisas velhas passaram (2 Co 5.17). Por isso, o apóstolo torna a usar a metáfora do andar: “[…] noutro tempo, andastes, segundo o curso deste mundo” (Ef 2.2-3), porém, doravante, devemos “andar fazendo boas obras” não como meio para ser salvo, mas como evidência de salvação (2.10c).