Lição 3: Eleição e Predestinação Escola Dominical | 2° Trimestre De 2020 – Subsídio Apoio ao Professor
A doutrina da Eleição em Cristo é gloriosa. Nele, fomos eleitos para a salvação e predestinados a desfrutar das mais ricas bênçãos espirituais. Eleição e predestinação são termos importantes no estudo sobre a doutrina da salvação.
Por isso é preciso estudá-los detidamente a fim de apresentar uma aula com bom embasamento doutrinário no sentido de edificar a vida dos nossos alunos. Que essa maravilhosa certeza seja uma verdade no coração dos nossos alunos. Que cresçamos mais no conhecimento da Palavra de Deus e na maturidade da fé.
Efésios 1.3-4 “Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor, e nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade”
Introdução
Eleição e predestinação: Esses termos às vezes são usados por alguns teólogos de modo intercambiável. Em contrapartida, a maioria dos intérpretes arminianos faz distinção entre os termos. O teólogo pentecostal Severino Pedro da Silva avalia que a eleição e a predestinação “segue quase que paralelamente os mesmos ditames […] e que alguns já chegaram até a sugerir que uma é a consequência da outra”.
De qualquer modo, esses vocábulos ligados entre si elucidam o plano divino de salvar os pecadores. Um equívoco bem comum é confundir essas palavras como sinônimas. Além disso, essas expressões têm provocado divergências entre pelagianos, semipelagianos, arminianos e calvinistas, especialmente no campo da “mecânica da salvação”. Nesse aspecto da controvérsia, sumariamente se pode catalogar quatro visões soteriológicas: (1) os pelagianos, que afirmam ser o homem o único agente da salvação; (2) os semipelagianos, que defendem ser o homem aquele que dá início ao processo da salvação e que Deus responde ao homem; (3) os arminianos, que ensinam ser Deus quem inicia o processo da salvação e que o homem responde a Deus; e (4) os calvinistas, que argumentam ser Deus o único agente na salvação, predestinando uns para serem salvos e outros à condenação.
Nesse capítulo, abordaremos os conceitos bíblicos e a posição pentecostal referente a esses pontos.
ELEITOS EM CRISTO
1 – A Eleição divina
Paulo faz uso de dois termos que revelam a soberana vontade divina “como também nos elegeu […] e nos predestinou” (1.4-5). A expressão eleição significa “escolha”, e predestinação tem o sentido de “determinar antes”. Esses vocábulos ligados entre si explicam que, pela presciência divina, Deus soube quem iria crer e perseverar em Cristo desde a eternidade e elegeu-os conforme a sua vontade e, para esses eleitos, determinou propósitos específicos (1 Pe 1.2).
O teólogo arminiano Henry Clarence Thiessen menciona três pontos importantes dessa doutrina bíblica da eleição divina: Primeiramente, a eleição é um “ato soberano de Deus em graça”. Deus não tem a obrigação de escolher ninguém, visto que todos são igualmente pecadores, merecendo assim a condenação. Em segundo lugar […], a eleição é Cristocêntrica — “pelo qual escolheu em Jesus Cristo”. A eleição do indivíduo ocorre somente em união com Jesus Cristo pela fé. Não existe eleição fora de Cristo […] a eleição contempla “aqueles que de antemão sabia que O aceitariam”. A compreensão da relação entre a eleição e a presciência de Deus é sumamente importante para o entendimento adequado da doutrina.
Essa conceituação fundamenta-se nas Escrituras Sagradas, e tal interpretação foi defendida por grande parcela dos Pais da Igreja e, no período da Reforma Protestante, foi sustentada por Jacó Armínio e boa parcela dos primeiros reformadores do século XVI. Mais tarde, em 1619, essa compreensão foi condenada pelos calvinistas por ocasião do Sínodo de Dort E, apesar de a interpretação de Armínio ter sido ferozmente combatida pelo calvinismo, atualmente cerca de 80% dos evangélicos são de confissão soteriológica arminiana. Esse entendimento da maioria dos cristãos também é a compreensão do pentecostalismo clássico. Além disso, o conceito de eleição entre os pentecostais “inclui a previsão de Deus quanto àquilo que o homem irá fazer com a sua própria liberdade, mas depende, para sua realização, da graça soberana de Deus”.
Nesse sentido, não há nenhum conflito entre a soberania de Deus e a liberdade humana. Outro detalhe a ser considerado na eleição é o seu aspecto corporativo, que inclui os indivíduos em associação com o corpo de Cristo, a Igreja. Eis a posição da Declaração de Fé das Assembleias de Deus: Deus elegeu a Igreja desde a eternidade, antes da fundação do mundo [Ef 1.4], segundo a sua presciência [1 Pe 1.2; 2 Ts 2.13]. O Senhor estabeleceu um plano de salvação para toda a humanidade […] (Tt 1; 2); pois essa é a sua vontade [1 Tm 2.3- 4].
Assim como Deus não elegeu uma nação já existente, mas preferiu criar uma nova a partir do patriarca Abraão [Gn 12.2], o Senhor Jesus Cristo, da mesma forma, criou um novo povo formado por judeus e gentios (Ef 2.14 [ 1 Co 12.13]). Esse enunciado atesta que a eleição é corporativa. Significa que a eleição em Cristo é, primeiramente, coletiva, ou seja, trata-se da eleição de um povo, a Igreja (1.4,5,7,9; 1 Pe 1.1; 2.9). Efésios menciona a eleição no plural: “nos elegeu” (1.4). Em toda a Epístola, os eleitos são tratados em conjunto: um corpo (1.23), um povo (2.14), uma família (2.19), um edifício (2.20-22) e a Igreja (3.10, 5.23ss).
A Epístola assinala que Deus elegeu de antemão um conjunto de pessoas para a salvação, a Igreja. Nesse caso, “o foco da eleição não é o indivíduo, mas o grupo, o corpo, a Igreja, formada por todos aqueles que creram em Cristo e permanecerão até o fim”. Desse modo, ratifica-se que a eleição é corporativa (coletiva) e também cristocêntrica — pois somente “é eleito” quem estiver em Cristo. Esse também é o parecer de Donald Stamps, editor geral da Bíblia de Estudo Pentecostal: “[…] a eleição é coletiva e abrange o ser humano como indivíduo, somente à medida que este se identifica e se une ao corpo de Cristo, a igreja verdadeira”.
2. As condições da eleição
Deus oferece a salvação para todos, pois “quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2.4). Essa doutrina é conhecida como “expiação ilimitada”, também chamada de “expiação universal qualificada”. Trata-se de uma das doutrinas mais claras de toda a Bíblia Sagrada. É a resposta para a pergunta: “Por quem Jesus Cristo morreu? Somente por alguns poucos ou pelos pecadores do mundo todo?”. A declaração arminiana afirma que “Cristo, o Salvador do mundo, morreu por todos e por cada um dos homens, de modo que obteve reconciliação e remissão dos pecados por sua morte na cruz, porém, ninguém é realmente feito participante dessa remissão, exceto os crentes”.
Esse entendimento equivale acreditar na revelação contida na Bíblia Sagrada, isto é, que Deus amou o mundo e enviou o seu Filho “para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3.16). A Declaração de Fé das Assembleias de Deus corrobora com esse ensino bíblico: Por isso, o Pai enviou o seu amado Filho Jesus Cristo [1 Jo 4.9] para morrer em nosso lugar [1 Co 5.7], providenciandonos uma salvação eterna, completa e eficaz [Hb 5.9]. O Evangelho contempla a todos e a ninguém exclui: “Porque a graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens” (Tt 2.11). Por conseguinte, a salvação está disponível a todos os que creem [Jo 3.15-16]. Sim, todos nós, sem exceção, podemos ser salvos através dos méritos de Jesus Cristo, pois todos nós fomos criados à imagem de Deus.
A doutrina calvinista, no entanto, discorda que Cristo morreu por todos. Para os seguidores de Calvino, “a expiação é limitada”, ou seja, Cristo morreu somente por alguns — apenas para os eleitos. Nessa visão, o sacrifício de Cristo é diminuído, e o calvário torna-se mera formalidade, uma vez que a salvação não está disponível a todos. A partir desse pressuposto, os calvinistas defendem que a eleição é “incondicional”. Conforme Calvino asseverou, significa acreditar que Deus elegeu uns para a salvação e outros para a perdição.
Contrariando esse ensino calvinista, a Bíblia Sagrada apresenta cerca de 80 textos comprobatórios que apontam para a “expiação ilimitada” — a morte de Cristo em favor da salvação de todos os homens, e não somente para alguns (Is 53.6; Mt 11.28-30; 18.14; Jo 1.7; 1.29; 3.16,17; 6.51; 12.47; Rm 3,23-24; 5.6; 5.15; 10.13; 1 Tm 2.3-6; 4.10; Tt 2.11; Hb 2.9; 2 Pe 3.9; 1 Jo 2.2; 4.14, etc.).
Outro aspecto doutrinário refere-se ao ensino em que a eleição para salvação é “condicional”, e não “incondicional”. Eleição condicional significa que Deus escolhe por meio das condições que Ele próprio estabeleceu. Por isso, são eleitos somente aqueles que preenchem essas condições, e não de um modo arbitrário (incondicional). John Wesley (1703–1791), pregador anglicano, discordava do sistema calvinista, que transformava a eleição do Deus de amor em eleição de um Deus tirano e insensível para com os pecadores. O ensino arminiano explica, como já dito, que, “por meio da presciência divina, Deus sabe, desde a eternidade, quais indivíduos creriam e perseverariam na fé, e a essas pessoas Deus elegeu”. Isso, portanto, não implica entender como Calvino, ou seja, que Deus tenha elegido uns para a vida e outros para danação, porque, segundo as Escrituras, Ele não quer “que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se” (2 Pe 3.9).
Desse modo, ratifica-se que tanto a expiação ilimitada como a eleição condicional foram estabelecidas pelo próprio Deus. Assim, a condição mais elementar para a salvação é estar em Cristo (Ef 1.1-4). Isso implica em ratificar que a eleição é cristocêntrica, isto é, ninguém é eleito sem estar unido a Cristo. A eleição torna-se uma realidade para cada pessoa consoante o seu prévio arrependimento e fé (2.8; 3.17). Entretanto, esse meio não é meritório, e ninguém pode cumpri-lo sem a graça de Deus. Desse modo, fomos eleitos por iniciativa divina por causa da graciosa obra de Cristo, e não pelas nossas obras (2.8-9).
3. Vida Santa e Irrepreensível
Paulo primeiramente enfatiza que a finalidade da eleição é propiciar uma vida nova aos eleitos, isto é, para sermos “santos e irrepreensíveis diante dEle” (Ef 1.4b). O vocábulo grego hagios (santo), no aspecto espiritual, significa “separado do pecado” (1 Pe 1.15-16). O adjetivo grego amõmos (irrepreensível) expressa algo “sem defeito” ou “inculpável” (Fp 2.15). Os termos apontam para a santificação, isto é, o mais alto padrão ético e moral de vida a fim de agradar a Deus, que nos elegeu (Ef 5.1-3).
Nesse sentido, a eleição condicional (daqueles que atendem ao chamado divino) predestina (o destino desses escolhidos) para uma vida afastada do pecado e de conduta ilibada. O uso paulino dos termos “santo e irrepreensível” evidencia que as palavras mutuamente se correspondem e complementam-se. O ser santo denota um estado de pureza interior que reflete no ser irrepreensível — uma condição de pureza externa. O apóstolo reitera que fomos “criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (2.10 NAA).
Portanto, não se pode conceber que os salvos em Cristo ainda possam viver na prática do pecado (1 Jo 3.6; 5.18).
4. A nova vida dos eleitos
Deus elegeu-nos e predestinou-nos a viver em santidade. Em consequência, os cristãos são exortados quanto ao trato passado: a despojar-se do velho homem (Ef 4.22), a renovar a mentalidade (4.23) e a revestir-se do novo homem, “que segundo Deus é criado em verdadeira justiça e santidade” (4.24). Essa orientação aponta para a necessidade de uma radical transformação. Despir-se do “velho homem” exige abandonar a velha natureza com as suas paixões, adotar uma nova perspectiva mental e uma nova forma de vida (Cl 3.9-10; Rm 6.6-9). O tema é apresentado com exortações contra a velha conduta, tais como a mentira, o furto, as palavras torpes, a amargura, a ira e a cólera (4.25,28,29,31).
Nessa nova vida, segundo a revelação das Escrituras, o crente salvo deve pautar as suas atitudes segundo a moral bíblica, baseado na integridade, e não de acordo com o contexto social em que se está inserido. Foi nesse diapasão que Paulo apresentou o primeiro contraste entre a nova e a velha vida: “Pelo que deixai a mentira e falai a verdade cada um com o seu próximo” (4.25). Esse ponto é nevrálgico para o autêntico cristão que sempre dirá a verdade, ainda que a mentira possa trazer-lhe alguma vantagem pessoal ou favorecer a coletividade.
Na sequência de orientações para o viver em Cristo, Paulo faz severas advertências contra a prostituição, a impureza, a avareza e a embriaguez (5.3,15,18). O propósito é apresentar a Deus uma “igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga […], mas santa e irrepreensível” (5.27). Não obstante, ratifica-se que somente o Espírito Santo capacita o crente para esse viver (Gl 5.16-25). Tratase de um processo contínuo até a glorificação final no dia de Cristo (2 Co 3.18).
Desse modo, um crente fiel não só deve fazer a diferença, como também o seu comportamento deve ser referencial para a sociedade. Como resultado, velhos hábitos são abandonados, condutas reprováveis são descartadas, e nítidas mudanças comportamentais são percebidas. Assim, aqueles que desenvolvem “a nova natureza de Cristo adquirem caráter que não somente perdura, como também transforma”.
PREDESTINADOS PARA SANTIDADE E FILIAÇÃO
1 – A Predestinação
O termo grego prooridzo, traduzido como predestinação (Ef 1.5a), é formado pelo vocábulo oridzo, que significa “determinar”, e pela preposição pro, que indica algo feito “antes”; ou seja, predestinação literalmente significa “determinar antes”. A Bíblia de Estudo Pentecostal esclarece que a predestinação aplica-se aos propósitos de Deus inclusos na eleição, que a eleição é a escolha feita por Deus, “em Cristo”, de um povo para si mesmo (1.4), e que a predestinação abrange o que acontecerá ao povo escolhido por Deus (1.5). Por conseguinte, nossa Declaração de Fé ensina que a predestinação dos salvos é precedida pelo conhecimento prévio de Deus daqueles que, diante do chamamento do evangelho, recebem a Cristo como o seu Salvador pessoal e perseveram até o fim (Rm 8.29,30).
Esse conceito ratifica que a predestinação não se refere à escolha de alguns para a salvação e de outros para a perdição. Não significa que Deus predestinou alguns para amá-lo e outros para desprezálo, ou, na melhor das hipóteses, a ser indiferente a Ele. O ensino onde Deus aleatoriamente salva uns e condena os demais não é coerente com o testemunho bíblico. Nas Escrituras, a salvação — como já enfatizado — é um chamado universal a toda a humanidade (Is 45.21ss; Jo 7.37ss; Ap 22.17). Não se trata de uma dádiva concedida arbitrariamente para alguns e negada para outros. A salvação é uma bênção disponível a todos que cumprirem a condição de crer em Cristo (Mc 16.16; Jo 17.20; Rm 9.33; 10.11; Fp 1.29; 1 Tm 1.16; 1 Pe 2.6).
Isso indica que Cristo morreu por todos e por cada um, todavia nem todos serão salvos, não por um ato arbitrário de Deus, mas por não preencherem as condições divinamente estabelecidas. Deus concedeu ao ser humano o livre-arbítrio; logo, a oferta da salvação pode ser recusada (Jo 7.16,17). Apesar de sobejarem textos bíblicos acerca dessa verdade, João Calvino, em uma interpretação particular na sua obra A Instituição da Religião Cristã — conhecida também como Institutas — define predestinação de forma absolutamente determinista: Chamamos predestinação ao decreto eterno de Deus pelo qual determinou o que fazer de cada um dos homens.
Porque Ele não os cria com a mesma condição, mas antes ordena a uns para a vida eterna, e a outros, para a condenação perpétua. Portanto, segundo o fim para o qual o homem é criado, dizemos que está predestinado à vida ou à morte. Na Bíblia Sagrada, ao contrário da teologia de Calvino, a predestinação não abrange a condenação eterna de ninguém (2 Pe 3.9). Conquanto eleição e predestinação sejam intrinsecamente ligadas, elas não são a mesma coisa. Outro equívoco da teologia determinista é tratar a predestinação como sendo dupla, isto é, tendo dois lados: a salvação e a condenação. Reiteramos que a Bíblia somente se refere à predestinação em relação aos salvos em Cristo. Conforme assevera Donald Stamps, “a predestinação abrange o que acontecerá ao povo de Deus — todos os crentes genuínos em Cristo.
Na eleição, Deus definiu como condição o crer em Cristo (eleição condicional); já na predestinação, Deus planejou o destino e as benesses dos crentes em Cristo que atenderam o chamamento divino. No plano divino, a predestinação dos escolhidos, dentre outros, possui três objetivos específicos: (1) Serem filhos por adoção em Jesus Cristo (Ef 1.5); (2) Serem herdeiros com Cristo (1.11); e (3) Serem conforme a imagem de Cristo (Rm 8.29).
2. Filhos por adoção
Paulo é o único escritor do Novo Testamento que emprega o termo “adoção” (Rm 8.15,23; 9.4; Gl 4.5; Ef 1.5). A prática da adoção não fazia parte do sistema legal judaico, porém era comum entre os romanos e perfeitamente conhecida entre os gentios. Assim, o apóstolo enfatiza que foi do agrado de Deus predestinar os eleitos a ser adotados como filhos “segundo o beneplácito de sua vontade” (1.5b). Nossa posição é imerecida, contudo aprouve ao Pai fazê-lo assim conforme o seu querer (Mt 11.26).
Nessa perspectiva, Matthew Henry apresenta a seguinte compreensão: A predestinação se refere às bênçãos para as quais estão destinados [os eleitos], especialmente a benção que nos predestinou para filhos de adoção. Era o propósito de Deus que no devido tempo chegássemos a ser seus filhos adotivos, e dessa forma tivéssemos o direito a todos os privilégios e à herança de filhos […] O que enaltece essas bênçãos é o fato de serem produto do desígnio eterno. Essa constatação exalta a misericórdia divina e assinala que a adoção foi motivada pelo “muito amor com que nos amou” (2.4). Assim, noutro tempo, éramos estranhos e inimigos, mas agora somos filhos reconciliados em Cristo (Cl 1.21; Rm 8.17).
A respeito desse imensurável benefício espiritual, o Comentário Bíblico Beacon expressa o seguinte: O termo filho (uios), que forma parte da palavra adoção, deve ser distinguido do termo criança (teknon). O primeiro dá a ideia de privilégio não de natureza. Para Paulo, nossa filiação não se baseia na relação natural, na qual os homens estão diante de Deus por terem sido criados por ele, mas numa nova relação pela graça efetivada na obra de Cristo. Neste sentido espiritual, adoção para Paulo significa a aceitação na família daqueles que, por natureza, não lhe pertencem. A diferença destacada acima realça o benefício e a regalia desfrutada pelos eleitos, pois Deus não tinha obrigação alguma em adotar pecadores. Assim, a ênfase da adoção para fazer parte da família de Deus repousa no ato de puríssimo amor, boa vontade e desejo divino.
3. Os privilégios da adoção
Deus criou a humanidade para viver em comunhão com Ele (Gn 1.26). Como o pecado rompeu com essa dádiva, o Pai restaurou-a em Cristo determinando a adoção dos escolhidos (Ef 1.5). Na cultura grega e romana, a adoção civil era um ato voluntário que abrangia os privilégios da herança e obediência ao pai adotivo; por exemplo, “quando uma criança era adotada, o pai natural perdia toda a autoridade sobre ela, enquanto o pai adotivo adquiria controle total sobre o seu novo filho”. No sentido espiritual, Paulo faz analogia ao filho adotado (cristão), que, sob a autoridade do pai adotivo (Deus Pai), recebe o direito de pertencer à família de Deus, bem como as “riquezas da glória da sua herança” (1.18).
Aprofundando a comparação com a adoção civil, os adotados em Cristo tornam-se “povo de propriedade exclusiva de Deus” (1 Pe 2.9, ARA), eleitos segundo a presciência de Deus Pai para a obediência a Cristo (Rm 6.16; 16.26; 2 Co 10.5; 1 Pe 1.2). Prosseguindo nessa simetria, Deus predestinou aos eleitos às bênçãos de um novo nome e uma nova imagem — a imagem de Cristo (Rm 8.29; Ap 2.17). A redenção e a remissão de pecados são concedidas (1.7,8), e a comunhão é restabelecida com a intimidade de clamar “Aba, Pai” (Gl 4.6). Passamos a ser herdeiros de Deus e coerdeiros de Cristo (Rm 8.17) das promessas a Abraão (Gl 3.29) e da vida eterna (Tt 3.7; Ef 3.6). E, tendo sido aceitos por Deus, fomos transformados em filhos para o seu louvor e glória (Ef 1.6).
Nesse aspecto, a abrangência da filiação tem uma dimensão simultaneamente presente e futura: Essa maravilhosa filiação em Cristo, bem como os benefícios que dela advém, já pode ser desfrutada no tempo presente e será plena por ocasião da segunda vinda do Senhor. A condição para fazer parte desse glorioso evento é estar em Cristo. A filiação também abrange deveres com o Pai e com a família de Cristo — a Igreja (Hb 12.7-16).
III. A SUBLIMIDADE DO PROPÓSITO NA PREDESTINAÇÃO
1 – Predestinação e Salvação
O termo “predestinação” aparece seis vezes no Novo Testamento (At 4.28; Rm 8.29-30; 1 Co 2.7; Ef 1.5,11). Em nenhuma dessas vezes, a expressão faz referência a pecadores sendo destinados à condenação eterna. Conforme anota o teólogo Titillo, “tal observação deveria ser suficiente para desmontar a compreensão calvinista da predestinação como a escolha de uns indivíduos para a salvação e de outros para a perdição”. John Wesley, na sua obra Predestinação Calmamente Considerada, faz objeção à ideia de Calvino da predestinação arbitrária de alguns para a perdição: A respeito daquele que, sendo capaz de livrar milhões da morte apenas com um sopro de sua boca, se recusasse a salvar mais do que um dentre cem e dissesse: “Eu não faço porque não o quero”, como exaltaremos a misericórdia de Deus se lhe atribuirmos tal procedimento?
Como Deus pode ser considerado um justo juiz se Ele condena o réu previamente? Como pode ser considerado benigno se Ele julga com parcialidade, permitindo que, pelo mesmo erro, uns sejam absolvidos e outros condenados? Dessarte, se existe uma predestinação para condenação, então de que adianta a pregação? Nesse sistema, os que não são escolhidos estão fadados à danação, quer a Palavra seja pregada, quer não. A única resposta plausível, em conformidade com os atributos divinos, está em perceber o equívoco na interpretação de João Calvino e considerar a presença de equidade e igualdade no julgamento dos pecadores. Por conseguinte — novamente —, reafirmamos pedagogicamente que predestinação não pode ser considerada dupla, isto é, não está relacionada com a condenação, mas diz respeito somente àqueles que são salvos, sendo condicionada à fé em Cristo Jesus e à presciência divina (1.4,5; 1 Pe 1.2).
Essa interpretação está assim expressa no Comentário Bíblico Pentecostal do Novo Testamento: “A questão da predestinação não significa Deus decidindo antecipadamente quem será salvo ou não, mas decidindo antecipadamente o que planeja que os eleitos, em Cristo, sejam ou venham a ser”. Esse também é o parecer da Declaração de Fé das Assembleias de Deus: O Soberano Deus não predestinou incondicionalmente pessoa alguma à condenação eterna, mas, sim, almeja que todos, arrependendo-se, convertam-se de seus maus caminhos: “Mas Deus, não tendo em conta os tempos da ignorância, anuncia agora a todos os homens, em todo lugar, que se arrependam” (At 17.30). A predestinação genuinamente bíblica diz respeito apenas à salvação […] A predestinação do crente leva-o a ser conforme a imagem de Cristo (Rm 8.29-30), assim sendo, todos somos exortados a perseverar até o fim: “aquele que perseverar até ao fim será salvo” (Mt 24.13).
Diante dessas exaustivas citações e reiteradas afirmações quanto ao conceito bíblico da eleição e da predestinação, os salvos em Cristo devem resistir e fazer objeção a qualquer ensino contrário à revelação contida nas Escrituras Sagradas. Os dogmas elaborados pelo pensamento humano não podem sobrepor-se, em hipótese alguma, à autoridade da Palavra de Deus.
2. A Predestinação e o Amor
Antes da criação de qualquer coisa, o plano divino de redimir a humanidade e definir o destino dos crentes já estava estabelecido (1.4,5). Por conseguinte, a redenção não foi uma medida emergencial; pelo contrário, esse era o plano imutável do amor de Deus desde sempre (2 Ts 2.13; 2 Tm 1.9). Por conseguinte, a sublimidade dos propósitos eternos em prover a salvação está no amor de Deus (Jo 3.16; 1 Jo 4.10,19). Acerca desse amor presente tanto na eleição quanto na predestinação, o Comentário do Novo Testamento — Aplicação Pessoal registra o seguinte: A generosidade de Deus para conosco é concretizada pela nossa união com o seu muito amado Filho.
Podemos dizer que o amor de Deus por seu único Filho o motivou a ter muito mais filhos — cada um dos quais seria igual a seu Filho (Rm 8.28- 30), por estarem em seu Filho e por serem moldados à sua imagem.78 Foi por amor que fomos eleitos por Deus e predestinados em Cristo (Rm 8.29; Ef 1.4,5). Isso implica dizer que o “favor imerecido”, a fé necessária para crer e o uso do livre-arbítrio para responder ao chamado, tudo isso provém do amor de Deus (2.4,8). Não obstante, os que se achegam a Cristo não são coagidos, mas atraídos a Ele (Jo 12.32).